Juristas especializados em Direito Penal comentam
interpretação de imprescritibilidade do crime de injúria racial
No dia 28 de outubro, o Superior Tribunal Federal decidiu que a injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, imprescritível, conforme o artigo 5º, XLII, da Constituição. A decisão se deu em relação ao caso de uma idosa do DF, atualmente com 80 anos, condenada por injúria racial a um ano de reclusão e dez dias-multa pela 1ª Vara Criminal de Brasília, por ter chamado uma frentista de um posto de combustíveis de "negrinha nojenta, ignorante e atrevida".
"A meu ver, apesar de sociologicamente correta, a decisão do STF é juridicamente equivocada, porque acaba violando alguns princípios de Direito Penal", afirma o especialista Matheus Falivene. O especialista em Direito Penal pela USP explica que "os crimes de injúria racial e o de racismo são diversos e têm bens jurídicos diferentes".
"Ao passo que, na injúria racial, você tutela a honra subjetiva de uma pessoa ofendida, no racismo você tutela o bem de um grupo de pessoas, de uma coletividade - e é por isso que o crime de racismo é muito mais grave. A própria Constituição Federal já faz uma distinção entre a injúria racial e o racismo, considerando o racismo mais grave e determinando que ele é imprescritível e que o legislador deveria elaborar uma lei para punir o racismo", diz Falivene.
Este é também o entendimento do ministro Nunes Marques, que defendeu, em dezembro de 2020 - no julgamento do crime em questão -, que as condutas dos crimes são diferentes e que a imprescritibilidade da injúria racial só pode ser implementada pelo Poder Legislativo. Um mês antes, em novembro de 2020, o relator do caso, ministro Edson Fachin, também havia votado pela equiparação da injúria racial ao crime de racismo. Diante da divergência à época, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Quanto à opinião de Nunes Marques de que a imprescritibilidade da injúria racial só pode ser implementada pelo Poder Legislativo, Falivene discorda. "Como norma constitucional, ela teria de ser alterada por meio de uma alteração da Constituição - e há uma discussão se a imprescritibilidade do racismo é uma cláusula pétrea ou não. Essas normas punitivas têm de ser interpretadas de forma restritiva."
CASUÍSTICA - Para Falivene, a decisão do STF no fim de outubro é também "casuística". "Fizeram isso neste caso concreto da mulher de 80 anos que cometeu a ofensa e ocorreu a prescrição. A prescrição de quem é maior de 70 anos ocorre em metade do tempo do que é previsto em lei - então acabaram aproveitando esse caso concreto e tomaram como se acontecesse em todos os casos, o que não é verdade. Mas acho difícil se contestar isso agora, porque dificilmente a jurisprudência do STF muda, apesar de estar equivocada."
O especialista defende que o seu entendimento não leva necessariamente à impunidade. "Esses crimes são punidos. A prescrição leva a alguns casos de impunidade no Brasil, mas não é uma coisa generalizada, não é o que vejo na prática. As pessoas são punidas desde que não haja uma demora absurda no processo."
AVANÇO - A desembargadora e professora de Direito Penal do Meu Curso Educacional, Ivana David, discorda: "Na minha opinião, o Brasil deu mais um passo para tentar combater o racismo".
Para ela, o voto do ministro Alexandre de Moraes indica que o que se levou em consideração foi a garantia constitucional do Artigo 3º da Contituição. "O ministro apontou que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (artigo 3º, IV). Além disso, o país deve pautar suas relações internacionais pelo ‘repúdio ao terrorismo e ao racismo’ (artigo 4º, VIII). E o artigo 5º, XLII, da Carta Magna, determina que o racismo é crime inafiançável e imprescritível. Assim, a argumentação baseada nos tipos penais acabou sendo, ao meu olhar, superada. A discussão aqui prende-se a garantias constitucionais que estão além da tipificação penal de cada um deles."
Fontes:
Matheus Falivene: advogado e professor nas áreas de Direito Penal e Direito Penal Econômico. Doutor e Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, Portugal. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Professor na pós-graduação da PUC-Campinas.
Ivana David: desembargadora e professora de Direito Penal do
Meu Curso Educacional.
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