Na segunda, 23 e hoje, dia 24 de agosto de 2021, o Superior Tribunal Federal
(STF) fará uma audiência pública para ouvir especialistas, representantes do
poder público e da sociedade civil sobre a Política Nacional de Educação
Especial. Convocado pelo ministro Dias Toffoli, o encontro será virtual e terá
a participação do Instituto Jô Clemente (IJC), antiga Apae de São Paulo. A
sessão acontece na Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e
Múltipla, que vai de 21 a 29 de agosto de 2021.
Pesquisa do Instituto Jô Clemente reforça os benefícios da educação inclusiva e sobre este assunto conversamos com Yara Leandro dos Santos Tanaka, coordenadora pedagógica no Atendimento Educacional Especializado (AEE) do Instituto Jô Clemente, antiga APAE de São Paulo. Acompanhe:
Blog - Quais os riscos que a aprovação deste decreto do Governo
Federal traria para a educação inclusiva?
Yara Leandro dos Santos Tanaka - A constituição brasileira (art.227) diz que é dever da
família, da sociedade e do Estado, assegurar os direitos da criança e
adolescentes ao acesso à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Um dos pontos de atenção é considerar que a discriminação e
exposição da pessoa não seja novamente um movimento presente e social tão
evidente. A divisão entre a sociedade nos faz pensar em um “retrocesso” ao
conceito de segregação já existente há tantos anos. Desconsiderar a luta da
pessoa com deficiência diante de toda a história é um ato de desrespeito.
A medida mais assertiva seria reforçar as ações inclusivas
para garantir conscientização social para um percurso com objetivo de romper
paradigmas tão rígidos e viver com mais atitudes de empatia e respeito.
Para avanços sociais é preciso permitir a chegada dos
desafios para vivência reais. Só vivenciando que conseguiremos saber o que de
fato é funcional para garantir qualidade e respeito a todos. Uma sociedade que
vive uma Constituição livre não pode proferir o desejo de subdividir a condição
humana. Somos seres semelhantes e livres para tomadas de decisões no que se
refere gerir nossa vida, podemos viver em sociedade e respeitar as diferenças
diante dos vários desafios.
Qualquer serviço denominado Atendimento Educacional
Especializado ofertado para além do contraturno ou de modo a impedir a
matrícula e frequência dos alunos com deficiência à escola regular, AEE não é!
É isso que pretende o Decreto 10.502 sob o título de AEE: excluir os alunos com
deficiência da frequência a escola regular. O AEE é um direito e um instrumento
de garantia de direito à educação inclusiva. Tamanha a sua importância para os
educandos com deficiência que a Constituição de 1988 lhes garantiu o acesso a
esse serviço preferencialmente dentro da escola regular de ensino, ou seja,
dentro da escola regular, no contra turno escolar.
Blog - Qual a importância da inclusão de uma criança com deficiência na escola regular para o seu desenvolvimento?
Yara Leandro dos Santos Tanaka - O desenvolvimento da criança é um processo de construção. A
interação com o meio e entre os pares favorece a aprendizagem e a convivência,
sendo assim, a convivência propiciaa criação de vínculo, o respeito às
diferenças e o aprendizado nos diferentes espaços sociais. Deste modo, fica
claro que conviver respeitosamente garante para todas as partes ganhos
significativos, humanizando as pessoas dentro das diferentes áreas de atuação.
A inclusão escolar favorece o ganho da autonomia, independência, postura de estudante, melhoras na comunicação expressiva e receptiva, relacionamento interpessoal e respeito às diferenças. Portanto, é fundamental a convivência de pessoas com e sem deficiência, contribuindo significativamente para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, pois é comprovado que se aprende em coletividade.
Blog - Existem casos nos quais a escola especial é indicada?
Yara Leandro dos Santos Tanaka - Acredito que existam situações que alguns apoios são eficientes para compor a rotina das crianças e propiciar um repertório de possibilidades para o acesso aos conhecimentos na classe comum. Alunos com barreiras pontuais em determinadas áreas adaptativas precisam de articulação com a área da saúde e terapêutica para alinhar com as demandas escolares. Mas não concordo que Escola Especial seja a solução para os casos dos alunos que apresentem mais dificuldades para seguir o currículo. É visível que a incumbência escolar é só dela. É necessário organização escolar para dar condição a todas as crianças se desenvolverem dentro do espaço escola. Não vejo como a restrição de acesso pode garantir qualidade de ensino a nenhuma criança. Só se aprende observando, ouvindo e explorando as diferentes situações do nosso cotidiano. Assim, a convivência se faz eficiente e transformadora. É importante considerar também o Atendimento Educacional Especializado no contraturno escolar, sendo esse, um serviço de apoio ao estudante, visando a quebra de barreiras enfrentadas pelos alunos com deficiência, valendo-se dos meios de recursos acessíveis e estratégias pedagógicas diversificadas para favorecer o desenvolvimento integral desses estudantes. Cabe também ao professor do AEE, apoiar o professor da sala de aula comum, por meio de estudo de caso e Plano de AEE.
Blog - Qual a importância da educação inclusiva também para o
desenvolvimento das crianças sem deficiência?
Yara Leandro dos Santos Tanaka - Poderia citar várias as contribuições sobre a importância de
conviver entre o pilar da educação e inclusão, mas o principal é pensar sobre
uma questão tão importante que é o processo de humanização das pessoas,
refletindo e pegando um período histórico temos raízes de ações racionais e até
mais inflexível com tantas causas e lutas de diferentes posições. Desse modo,
vejo uma boa oportunidade de humanizar as ações e respostas diante das
diferenças sociais e de condições existentes em nosso país.
São inúmeros os pontos positivos nessa interação, a começar pelas possibilidades de mudar o meio, as relações, atitudes e os recursos para atender a todos. O simples exercício de trazer a participação de todos nos faz gerar ações e promover possibilidades de olhares e pensamentos críticos diante das diferenças, causando mobilização para favorecer o meio social que vivemos, além de colaborar para o processo criativo e transformador que só adquirimos quando vivenciamos as experiências do cotidiano.
Blog - Em outros países,
existe algum decreto similar a esse produzido pelo Governo Federal?
Yara Leandro dos Santos Tanaka - Em 1971, a Lei italiana 118 concedeu a todas as crianças com
deficiência – exceto nos casos mais graves – o direito de serem educadas nas
classes regulares. Em 1977, a Itália fechou todas as escolas especiais e sua
Lei 517 determinou que todos os alunos com deficiência deveriam ser incluídos.
Nos anos 80, a Educação Inclusiva foi implementada em pré-escolas e escolas
secundárias. Em 1991, uma comissão, incluindo pessoas com deficiência, começou
a redigir a Lei para Assistência, Inclusão Social e Direitos das Pessoas com
Deficiência Nº. 104, que foi adoptada pelo Parlamento em 1992. Foi a primeira
vez que a sociedade civil, as organizações de pessoas com deficiência e as
famílias participaram plenamente nesse processo.
Sobre o Instituto Jô Clemente
O Instituto Jô Clemente é uma Organização da Sociedade Civil
sem fins lucrativos que há 60 anos previne e promove a saúde das pessoas com
deficiência intelectual, além de apoiar a sua inclusão social e a defesa de
seus direitos, produzindo e disseminando conhecimento. Atua desde o nascimento
ao processo de envelhecimento, propiciando o desenvolvimento de habilidades
e potencialidades que favoreçam a escolaridade e o emprego apoiado, além de
oferecer assessoria jurídica às famílias acerca dos direitos das pessoas com
deficiência intelectual. Pioneiro no Teste do Pezinho no Brasil e credenciado
pelo Ministério da Saúde como Serviço de Referência em Triagem Neonatal,
o Laboratório do Instituto Jô Clemente é o maior do Brasil em número de exames
realizados e oferece, atualmente, o Teste do Pezinho Ampliado na rede pública
do município de São Paulo, contemplando o diagnóstico preoce de até 50 doenças,
incluindo dezenas de condições raras. Por meio do CEPI - Centro de Ensino,
Pesquisa e Inovação do Instituto Jô Clemente, a Organização gera e dissemina
conhecimento científico sobre deficiência intelectual com pesquisas e cursos de
formação. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 5080-7000 ou
pelo site: https://www.ijc.org.br
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