Por Jorge Santos Carneiro, presidente da ao³
Falar sobre saúde mental ficou mais comum agora na pandemia. Faz sentido. Somente em 2020, segundo a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, mais de 576 mil trabalhadores foram afastados por transtornos mentais e comportamentais, uma alta de 26% em relação a 2019. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo. Ainda assim, temos uma longa luta para quebrar o estigma em torno das doenças mentais, principalmente dentro das empresas. Trazer o assunto para o centro do debate já é um bom começo.
Todo mundo em algum momento da vida vai sentir ansiedade, é natural e saudável -- uma resposta do inconsciente que nos protege de perigos. Mas ela passa a ser um mal quando começa a atrapalhar a rotina. E por que não falamos sobre isso? Nas empresas, uma das razões é o culto à produtividade e o medo de dizer que não está bem. Ainda sobra desinformação e silêncio, muito silêncio. Silêncio que é fruto de estruturas organizacionais carentes de canais com essa finalidade. Se o colaborador está insatisfeito com o vale alimentação ele pode reclamar com o seu superior direto e/ou com o departamento de Recursos Humanos. Agora, se ele não está desempenhando bem uma função porque tem alguma fobia, onde pedir ajuda?
O grande desafio das empresas é criar um clima de acolhimento para que todos se sintam à vontade para compartilhar inseguranças e se ajudarem. Para que isso aconteça, a liderança também precisa estar alinhada com este propósito. E qual o papel da liderança na construção um espaço de trabalho saudável? Principal e coadjuvante, ao mesmo tempo.
No protagonismo, vale lembrar da expressão que diz que o exemplo vem de cima, principalmente em relação à conscientização. Quando a principal figura de uma empresa se posiciona genuinamente sobre temas sensíveis, ela ajuda no desenvolvimento de um laço de empatia com os demais. Mas saúde mental não precisa estar na pauta somente do RH ou do CEO. É papel da gestão compartilhar essa tarefa com os outros líderes, criando um ambiente de responsabilidade coletiva onde chefes não minimizam as dores dos colaboradores, onde haja sempre diálogo claro e, na medida do possível, com flexibilidade e autonomia no trabalho. São ações que ajudam na redução do estresse e fazem com as pessoas se sintam compreendidas e abertas para falar sobre seus sentimentos.
É importante ter em mente que o ambiente é determinante para o pedido de ajuda e ele é necessário para a busca de auxílio qualificado. Por isso, é fundamental treinar gestores para terem esse olhar mais sensível, que seja capaz de identificar colaboradores com dificuldades, ouvi-los e, se preciso, orientar na busca por ajuda médica ou psicológica.
Desenvolver projetos específicos para cuidar da saúde mental funciona, mas o grande gol está em transformar isso em cultura. Ou seja, inspirar outras pessoas a replicarem a prática do acolhimento, não só os gestores. Mas isso está diretamente ligado à forma como a empresa lida com o erro. Ambientes em que a tolerância zero impera desestimulam profissionais a se abrirem, seja para falar de saúde mental ou até para apontarem melhorias e novas ideias.
O home office acabou acelerando o debate sobre a importância de as empresas serem reconhecidas como locais mentalmente seguros e até mesmo facilitou o processo. Anteriormente, no trabalho presencial, era mais desafiador para o funcionário ir até a sala/mesa do seu gerente para falar sobre suas dificuldades emocionais, seja por medo de atrapalhar ou receio de ser ouvido por outros colegas. A distância física quebrou essa barreira da vergonha e é um legado que ficará conosco. Hoje, todo mundo se sente mais à vontade para mandar uma mensagem de texto. O contato remoto tem ponto positivo da privacidade “one to one”.
A construção de um ambiente seguro e empático deve permear
todas as decisões da empresa, inclusive as de negócios. Ajudar as pessoas a
serem felizes também é uma responsabilidade dupla: uma de caráter financeiro e
outra, social. Porém, não criar falsas expectativas é essencial. Não dá para
resolver todos os problemas e muito menos interferir na esfera privada do
indivíduo. É necessário buscar o equilíbrio. Nem sempre é fácil equilibrar os
dois lados, mas é possível.
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